- Aqui, doutor! Essa foi a tomografia que eu fiz.

O Dr Eduardo estica a mão, pega aquele envelopão, começa a folhear as imagens. Honestamente eu queria que alguém filmasse as caras que ele faz - são sempre indecifráveis, mas parecem sempre querer dizer alguma coisa. Ele faz bico, franze a testa... e nós contamos os segundos até ele abrir a boca.

(muitos segundos)

- É... Que maravilha!

(Oi? Que? Que maravilha? SÉRIO????)

- Então... então tá tudo bem? E essa ultima linha ali, que fala da alça intestinal?
-Ah, não é nada demais... tá dizendo que uma alça do seu intestino ta aderida à parede...de repente esse incomodo que vc sente é disso. Mas não é nada de preocupante...

o Dr Eduardo pega a pastinha do meu irmão, escreve em vermelho o resultado da tomografia, folheia as páginas anteriores e diz:

- Quanta coisa a gente fez nesse ano, né, Milton?
- Quando foi a primeira vez que estive aqui?
- Foi em agosto...
(eu, me metendo) - Isso, lembra que vc nem fez festa  de aniversario?
- Mas vc é muito festeiro, hein, Milton? So fala de festa... semana passada foi do seu afilhado, nao foi?
-Ah, doutor... mas ele tem uns 15... toda semana tem festa de um.

Ele riu. Os dois foram pra outra salinha pra ele examinar meu irmao e eu fiquei onde estava, com as minhas lágrimas e a minha alegria, que eu estava tendo que conter. Dificil, gente. Foi muito dificil nao me derreter inteira.

"Quanta coisa a gente fez nesse ano, né, Milton?"

UM ANO.

Sabem? eu achei que isso nunca fosse acabar, que ele ia ver algum micro borrão e diria que teriamos que ficar ali mais um tempinho... Não, ele nao disse isso. Ele nao pediu nem o Pet pra ter certeza. Não precisou.

Eu sei que ele estava falando dos exames, remedios, conversas, risadas, cirurgias, sustos, alegrias que se passaram ali dentro. Mas, pra mim, a frase teve um peso diferente. Sim, passamos por tanta coisa em um ano. Passamos pela vida que não parou diante do câncer. Trabalhamos muito, fizemos planos, amamos pessoas, desamamos outras. conquistamos umas coisas, aprendemos tantas outras, estreitamos laços. Fomos a shows inesquecíveis, resgatamos pessoas que sempre nos foram queridas... quanta coisa boa cabe dentro de um ano.

O mais incrivel disso tudo é toda alegria e alivio que cabem dentro de uma frase. Que maravilha. Acho que vou tatuar isso. Boa ideia! acho que vou mesmo! hahahahahah

Depois de examinar meu irmao, o Dr levou ele até a salinha de espera, disse pra secretária: "essa é a ultima dele", ele apertou a mão do meu irmão "Parabens, garoto", ele me abraçou e eu só conseguir agradecer muito. Ele riu como quem diz "que boba". Será que ele tem noção do que fez por mim? Pela minha mãe? Pela legião de amigos que temos?

Acabou, gente. A-CA-BOU.

Vamo ali comemorar, né?

:)